Se alguém passasse pela esquina das Ruas Silva Jardim e Bernardino de Campos, em São José do Rio Preto, no início de 1941, veria algo diferente. Era uma faixa que se estendia sobre o cruzamento, anunciando a chegada do filme E o vento levou, dirigido por Victor Flemming, George Cukor e Sam Wood.
Aquele era o segundo filme a ser exibido no Cine Teatro São Paulo, e a faixa se provaria útil. Não só rio-pretenses, mas também moradores de cidades como Mirassol, Uchoa, Tanabi e Catanduva, deslocaram-se até lá para acompanhar as desventuras da protagonista Scarlett O’Hara.
Tanto o cinema quanto o hotel estavam instalados no Edifício Curti, construção com corredores longos de paredes curvas, varandas arqueadas e equipamentos como o elevador de gradil retrátil, retratados na imprensa da época como “requintes de luxo e modernismo”. De seus janelões viam-se os grandes eventos da vida rio-pretense, como os desfiles cívicos e o de Carnaval. No seu interior, deram-se também efemérides da história local, como a fundação, em 1946, do América Futebol Clube, importante agremiação do interior paulista.
O luxuoso prédio multiuso foi projetado pelo escritório Armando Maia Lelo, responsável, entre outros empreendimentos, pelo Edifício Santa Elisa, no Largo do Arouche, também apresentado no livro. Era digno, como dizia um anúncio do jornal O Estado de S. Paulo, “dos altos progressos da região da alta araraquarense.” A fachada cilíndrica e o frontão de feixes, no alto, ainda hoje se destacam em plena área central da cidade, chamando a atenção tanto dos moradores quanto de turistas e visitantes.
Desde 1988 a Raia ocupa um espaço no módulo comercial do térreo, e há quase trinta anos ganhou um vizinho de parede. O Café e Casa Lotérica ao lado passou a ser gerenciado pelo senhor Katsumi Shinto, conhecido por Cláudio (seu nome de batistério).
Antes de vir para Rio Preto, porém, Cláudio levava uma vida diferente. E pior, segundo o próprio. Nascido em São Paulo, no bairro do Ipiranga, trabalhou por anos no Banco de Tóquio. O trânsito pesado, a insegurança e a falta de vida social o levaram a considerar uma ideia da irmã, moradora de Monte Azul: “Por que você não vem para o interior?”. Foi a sugestão certa na hora certa.
Quando Cláudio chegou, em 1993, o centro de Rio Preto era destino obrigatório dos moradores dos bairros e de cidades vizinhas. Afazeres bancários, questões burocráticas, compras, tudo se fazia por lá. “O hotel estava ainda na ativa, e os artistas que vinham se apresentar no teatro às vezes desciam para tomar uma xícara de café.” O movimento era intenso.
Hoje as condições são diferentes. Bairros e cidades vizinhas viram surgir novos eixos comerciais, e a região já não é tão procurada. Mas isso não significa decadência. “As pessoas gostam de vir aqui para conversar e se relacionar. É um ponto de encontro.”
Resistindo ao tempo, o octogenário prédio exala charme e elegância em meio às pragmáticas e desinteressantes construções que o cercam. Preserva, também, resquícios de uma vida mais humana, calorosa e gentil em seu interior. Pelo menos essas marcas o vento não levou.