A história de São Bento do Sul está associada à Colônia Dona Francisca, um processo de concessão de terras no nordeste catarinense que se deu ainda nos tempos do Império. Francisca era irmã de Dom Pedro II, e as glebas faziam parte do dote de seu casamento com o príncipe de Joinville.
A partir de 1851, imigrantes europeus se fixaram na região, e com o tempo o povoado inicial se fragmentou em extensões menores. Um desses novos núcleos deu origem ao atual município.
Oitenta e dois anos depois, em 1933, outro casamento aconteceria em São Bento: foi o de Carlos e Frieda Zipperer. Para começar a vida, eles demoliram a antiga residência dos sogros, onde, desde 1915, havia um armazém de secos e molhados da família no qual se vendiam tecidos, artigos de luxo, ferragens, chapéus, cal, cimento e alimentos, além de ter uma olaria própria. Em seu lugar, foi erguida a nova moradia.
Como a área era de banhado, pedras brutas foram trazidas em viagens de carroções para formar a base da edificação. As paredes, de mais de meio metro de espessura, foram feitas de tijolos maciços, e seu telhado, de pinheiro araucária, teve a madeira cortada na lua minguante de meses sem a letra erre (antídoto contra cupins). Inteiriças, as vigas têm até oito metros de comprimento por trinta centímetros de largura.
Foi nessa mesma casa (na mesa da cozinha, mais precisamente) que dona Ilca Hantschel nasceu em 1939. Neta de Carlos Zipperer, passou a infância e a adolescência no local: “Cresci tendo o quintal para explorar e gostava de ir a um rio que passava próximo. Ele não era poluído então. Em casa, meu lugar preferido era a varanda do andar de cima. Eu subia pelas escadarias de imbuia e passava horas brincando de boneca, bordando e conversando com minhas amigas”.
Como a casa manteve, no térreo, um espaço para aluguel comercial, ali funcionaram lojas como a Mazer, a RH Brasil e o primeiro estabelecimento a vender vestidos
Ilca Hantschel prontos em São Bento, uma loja chamada “A Elegância”. A própria dona Ilka trabalhou como corretora em um escritório de seguros instalado no local. Por 62 anos.
Assim como ela, seu filho Carlos Hantschel tem recordações agradáveis da moradia. A diferença é que, em vez de bonecas, brincava com seu lego particular de sobras das fábricas de móveis vizinhas. Era uma vida tranquila. “Cresci bebendo água do poço que havia no terreno e nós criávamos galinhas em plena região central.”
As obras de reforma e restauração foram iniciadas em 2019, porém várias reuniões foram feitas com a equipe do patrimônio histórico em Florianópolis. “A casa não tem uma arquitetura apurada, mas foi a primeira construção de alvenaria da cidade”, explica Carlos. “É daí que vem seu valor para a memória.”
Há pouco mais de um ano, um fato interessante aconteceu.
Certa vez, voltando de táxi do supermercado, dona Ilca lançou a vista para o casarão e por um momento parecia não acreditar nos próprios olhos. Havia fila na rua, e as paredes estavam cobertas de faixas e balões coloridos. Era o dia da inauguração da filial da Raia. Dona Ilca não se fez de rogada: entrou, fez compras e posou para fotos com a equipe. Para quem viveu tantas histórias naquela casa, uma a mais seria sempre bem-vinda.
Em Bento Gonçalves, outra construção de esquina, também da primeira metade do século XX, conta histórias semelhantes. Originalmente era a casa da família de José Antonio Busnello, primeiro agente funerário da cidade. No quintal havia uma área reservada para produção de caixões que depois se tornou local de recepção, e o jardim era usado para celebrações. Hoje a casa conta com uma filial da Raia no térreo e a família ainda habita no piso superior.