Nem todo mundo repara, mas há pequenas joias da arquitetura ocultas em meio aos prédios de São Paulo. Corpos estranhos na selva de pedra, elas nos convidam a viajar para outras realidades.
Um desses imóveis é uma casa de três pavimentos, com recuos dos dois lados, contornada por um quintal, na outrora pacata Avenida da Aclimação, no bairro de mesmo nome. Imaginamos reuniões familiares e um ritmo de vida tranquilo. O alpendre, os pilares e os cachorros (elementos que suportam os beirais) evocam um tempo em que se buscava leveza, harmonia e encanto nas construções.
Outro exemplo é o chalé que se situa no cruzamento das Ruas Doutor Homem de Melo e Doutor Franco da Rocha, no bairro de Perdizes. Os nomes das duas ruas não estão ali à toa, pois a esquina tem uma ligação histórica com a saúde.
A casa pertenceu ao próprio doutor Claro Homem de Melo (1866-1924), um dos primeiros psiquiatras do Brasil, assim como o colega Francisco Franco da Rocha. Melo adquiriu o imóvel porque queria ter rápido acesso ao trabalho. Rápido, no caso, queria dizer vinte passos.
O local, que hoje abriga um conjunto de condomínios conhecido como Superquadra, era então um hospício, e seu proprietário se dedicava ali ao estudo das “moléstias nervosas e mentais”. A instituição funcionou pelo menos desde 1914, e, se alguém quisesse internar ali um paciente tinha duas opções: escrever para a Caixa Postal 12 ou ligar para o “telephone” 560. Não, você não leu errado: o telefone tinha somente três números.
Homem de Melo era um crítico das formas desumanizadas de tratamento. Sua terapia dava ênfase a trabalhos manuais e a atividades como o cultivo de hortas e pomares para valorizar a autoestima dos internos.
O chalé onde viveu foi projetado pelo engenheiro português Ricardo Severo, sócio de Ramos de Azevedo no principal escritório de arquitetura da época. Ficou com a família até 1985, quando a Drogasil o adquiriu, recuperando-o para a memória do bairro e da cidade.
Em 2019, essa farmácia veio a fazer parte da vida de dona Rosmery Haddad da Silva, professora aposentada que nasceu na cidade de Bariri, interior paulista. Ainda moça ela vinha passar férias na casa da avó materna no mesmo bairro da Aclimação citado acima.
Ali conheceu o jovem Sebastião Realino Carneiro da Silva, mineiro de Pedralva, que, pelo mesmo motivo, ficava na casa de uma tia. “Foi amor à primeira vista”, ela conta. Naquele tempo, porém, o amor era só o primeiro passo de uma longa jornada.
Os dois namoraram sete anos por carta e, a certa altura, resolveram “dar um tempo”. Nesse período, a tia de Sebastião mudou sem deixar endereço, e a jovem, decepcionada, concluiu que o romance havia chegado ao fim. Um dia, porém, passeando pelo Viaduto do Chá, olhava a paisagem quando alguém se aproximou por trás e enlaçou sua mão. “Era nosso destino ficarmos juntos.”
Casados há quase sessenta anos, mudaram-se para Guarujá e de lá vieram para São Paulo por causa de um problema cardíaco do senhor Sebastião. Escolheram Perdizes. Pensaram na qualidade de vida, na proximidade de hospitais e no rápido acesso a uma farmácia. Rápido, no caso, queria dizer vinte passos. Rosmery e Sebastião moram perto da esquina da saúde. É onde continuam escrevendo sua história de amor.