Situada no planalto, a noroeste de Curitiba, a cidade de Ponta Grossa nasceu como um ponto de parada dos via- jantes que distribuíam produtos da atividade pecuária e agrícola. Na época do Brasil colônia, fazia parte do famoso Caminho das Tropas, que ligava as províncias do Rio Grande do Sul e São Paulo.
A cidade cresceu após a vinda de imigrantes europeus (e alguns sírios) que ali se fixaram no final do século XIX. Donos dos principais pontos de comércio, eles contribuíram para sua urbanização. A implantação da ferrovia, também nesse período, foi mais um fator que impulsionou o desenvolvimento.
Uma dessas famílias, os Justus, era de origem russo- -alemã. Foram donos de vários estabelecimentos, como
uma fábrica de gelo, uma fábrica de banha e um depósito de bebidas. Já no século XX, Augusto Justus teve um empório que vendia produtos para o setor de construção. Foi ele que adquiriu, em 1915, um terreno na Rua Balduíno Taques, inaugurando, em 1922, o suntuoso sobrado que abrigaria sua loja.
Em alvenaria de tijolos com revestimentos decorativos, o prédio tem as fachadas principais no alinha- mento, aberturas de vergas retas e entrada na esquina chanfrada do edifício coroada por frontão. O pé-direito é alto, e sua ornamentação nos frisos e nos contornos das janelas, pontuada por quadrados e círculos no segundo andar, dão-lhe um ar de modernidade. A decoração evoca o Art Nouveau, ou estilo Secession. A atual imagem, no entanto, contrasta com a de anos atrás.
“A construção se achava em estado lastimável”, diz o advogado Ricardo Pavão Tuma, nascido e criado em Ponta Grossa, um estudioso da cidade. “Lá funcionava uma casa de ferragens, mas depois que ela fechou o lugar ficou abandonado. Você passava por ali e via paredes se desfazendo e madeiras pregadas sobre as portas para impedir invasões. Não dava para ver as estruturas do telhado, mas deviam estar infestadas de cupins.”
Ricardo sabe reconhecer o valor da preservação. Ele cresceu em uma Ponta Grossa ainda provinciana e tranquila, na qual o tempo passava mais devagar. “Na época a pessoa tinha de sair com o vidro do carro aber- to, porque ia cumprimentar pelo menos uns dez vizinhos. Isso na mesma rua.”
O desenvolvimento se acelerou a partir da década de 1990, e a paisagem sofreu inevitáveis modificações. Nem tudo, porém, deve vir abaixo. “Tenho certeza de que o que se gastou ali foi muito superior ao que seria gasto com uma demolição. A preservação do patrimônio deveria ser, na verdade, uma política de Estado, inclusive com incentivos fiscais. Como não é, dependemos de iniciativas louváveis como essa da Raia.”
Uma história semelhante aconteceu em Bauru. O imóvel onde a Drogasil se instalou em 2004 foi, durante anos, ocupado pela Casa Pagani, tradicional sapataria do centro e parte inseparável da memória afetiva dos habitantes. O vistoso sobrado de estilo eclético foi erguido no início da década de 1930 em uma esquina voltada parte para a Rua Virgílio Malta e parte para o calçadão comercial da Rua Batista de Carvalho. A fachada do andar superior exibe uma ornamentação carregada, que se harmoniza com os balaústres, as colunas e as platibandas com relevos.
Embora distantes mais de quatrocentos quilômetros, essas duas joias arquitetônicas nos levam para um mesmo lugar. O lugar da memória, do cuidado e do respeito à história.