Quando os pais de Adelina Pereira dos Reis Santos vieram de Ibirité (MG) para São Gonçalo, no Rio de Janeiro, queriam dar novo rumo à vida depois de anos trabalhando na roça. E isso implicava trabalho, claro. Ela, única menina entre quatro irmãos, foi à luta com catorze anos.
Seu primeiro trabalho foi na Petrobras, através do projeto Menor Aprendiz, e a partir dali seguiram-se 22 anos de ofícios diversos, inclusive em farmácia, até que uma fusão de empresas a levou ao desemprego. No último mês do pagamento do seguro, quando Adelina já começava a ficar preocupada, apareceram três propostas de farmácias, e ela escolheu a da Raia.
A vaga à disposição era de caixa, e em pouco tempo ela deixou os chefes confusos. Não perguntava nada e até se ocupava de tarefas complexas para um iniciante, como organizar o leiaute. “Quando contei que tinha sido subgerente na Pacheco, todos riram e ficaram aliviados. Eles estavam mesmo espantados de eu fazer tudo tão rápido e tão certinho.”
Após um tempo, surgiu a oportunidade de uma transferência para o balcão, porém, como nunca tinha trabalhado com público, Adelina temia receitar algo errado, prejudicando a saúde de algum cliente. Ela adiou o quanto pôde esse momento, mas, quando viu que não havia jeito, acabou indo. E gostando. Gostando tanto que, na hora de fazer o teste para o cargo de adjunto, ela errava as perguntas de propósito. “Eu, que morria de medo do balcão, no fim não queria mais sair dali.”
Essas peripécias aconteceram em três ou quatro farmácias da Raia, mas há algum tempo Adelina se fixou na unidade da Rua da Conceição, situada no núcleo original de Niterói, próxima à famosa estação das barcas que vão e vêm da cidade do Rio de Janeiro desde 1835. O sobrado tem a fachada preservada e compõe,
com os imóveis em redor, um casario de arquitetura eclética que representa os estilos construtivos em voga no início do século XX. Foi sede da Companhia Brasileira de Energia Elétrica, filial do Banco Bandeirantes e sede dos Correios antes da chegada da Raia.
Suas portas permanecem abertas para atendimento no nível da rua. Apresenta, ainda, sacadas no andar superior com balaústres e aberturas em arco pleno. A ornamentação apresenta folhas de acanto, flores e fitas em relevo. O frontão com coroamento central tem impressa a data de sua construção: 1912.
Trabalhando ali, temse um vislumbre de como te- ria sido aquele local há mais de cem anos, quando, após um período de dez anos, Niterói voltava a ser a capital do estado e recebia intervenções urbanas destinadas ao seu melhoramento.
As marcas daquele passado estão impressas nas construções, e com frequência a hoje supervisora de loja Adelina é lembrada disso: “Muitos clientes se impressionam com as colunas desenhadas no interior da loja e volta e meia você ouve alguém comentando: ‘Olha, que legal!’, ‘Olha que bacana isso!’”. “Por fora é uma casa que impressiona, e por dentro é um ambiente gostoso de estar e bom para trabalhar.”
