Rubens Maurício Safro, o Buja, é um desconhecido para a maioria dos brasileiros, mas gozou de certo prestígio como animador de festas em Erechim, no noroeste gaúcho. Em uma de suas apresentações, inspirado, ele chamou o município de “Capital da Amizade”.
A nova alcunha caiu no agrado do povo e, com o tempo, foi adotada como uma espécie de sobrenome local. Ela retrata o espírito acolhedor da cidade, e é representativa para muitas histórias. Uma delas é a de Soriane Marcia Kessler.
Filha de trabalhadores rurais, Soriane nasceu na vizinha Gaurama. Foi feliz ali até os dezoito anos, quando o exemplo de uma irmã (que morava em Erechim e já trabalhava no varejo) despertou sua curiosidade, e ela pensou em seguir seus passos. “Meus pais se sentiram um pouco tristes quando lhes contei, porque com a minha partida eles ficariam sozinhos no sítio”, diz, “mas eu precisava tentar.”
E tentar não foi fácil. Ela chegou à cidade em dezembro de 2017 e saiu a distribuir o currículo. Estava tão entusiasmada que foram vinte só no primeiro dia. O ânimo diminuiu, no entanto, quando viu que o tempo passava e ninguém entrava em contato. O telefone não tocava. “Eu fiquei bastante desanimada, mas um dia enfim recebi um chamado da Raia.”
A loja na qual Soriane trabalha fica na Avenida Maurício Cardoso, que, junto com a Sete de Setembro, compõe o mais importante eixo comercial da cidade, justamente o que ela esperava. O que ela não esperava é trabalhar numa casa tão especial.
Trata-se de uma edificação de dois andares com mais de setenta anos, cuja marquise se projeta sobre o térreo. No andar superior, três balcões se voltam para a rua, e na fachada o destaque são os elementos simétricos que ficam na frente de três módulos verticais. “Ela é uma construção bem diferente das outras e realmente chama a atenção por sua beleza.”
A obra foi iniciada em 1946, logo depois que dona Anita Gollin Grazziotin vendeu um hotel que levava seu nome, localizado a uma quadra do local. Funcionou como um café ao longo de 25 anos e foi o centro da vida social dos erechinenses. Abria suas portas pontualmente às sete horas e fechava à meia-noite, funcionando de domingo a domingo, exceto na Sexta-feira Santa e no Dia de Finados. Aos sábados e domingos havia números musicais, e até Luiz Gonzaga se apresentou ali.
Artistas, intelectuais, políticos e esportistas eram figuras comuns, e os debates calorosos se tornaram uma marca do recinto. Se há algo, aliás, que nunca faltou ali foi animação. Em parte desse período uma boate chamada Berro d’Água esteve em atividade nos fundos, e há registros de uma casa de carteado, com acesso pela entrada lateral direita.
Muitas vidas tiveram momentos especiais naquele local, e agora a de Soriane se junta a elas. Tendo começado na loja como operadora de caixa, no decorrer de quatro anos se tornou supervisora de loja. Atualmente cursando Direito, uma paixão da adolescência, ela não sabe o que o futuro lhe reserva, mas segue adiante com paciência e bom humor. É mais uma história que transcorre entre aquelas quatro paredes.